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No verão de 1967 papai foi novamente transferido, agora para o 3o Esquadrão de Cavalaria Avançado, localizado na pequena cidade de Amambaí, mais para o sul do estado e região pouco habitada. Era a maior cidade daquela região longínqua e de difícil acesso onde se chegava por estradas que, em dia de chuva, ficavam intransitáveis.
Filho mais velho entre três irmãos eu tinha então dez anos e levava uma vida tranqüila ao lado do meu irmão um ano a menos na idade e de uma irmã que estava com sete anos quando nos mudamos para aquela nova e desconhecida cidade.
Era um final de tarde de dezembro de sessenta e sete quando o expresso Queiroz, única empresa de ônibus no estado que estava autorizada e encorajada a transportar passageiros entre Ponta Porá, Dourados e Amambaí, entrou pela longa e poeirenta avenida que cortava o pequeno lugarejo.
Logo na entrada da cidade havia um posto militar em que um cabo e um soldado do exército vigiavam a entrada e saída de todos os veículos e pessoas que poderiam estar transportando mercadorias proibidas, contrabando, indo ou vindo para o Paraguai.
Também, em razão da revolução militar de sessenta e quatro, o posto militar vigiava a entrada ou saída dos elementos considerados inimigos do sistema de governo imposto na época pelos militares e, na lista dos antipatizantes do novo sistema, poderia constar o nome de qualquer um que, ao contrário, não gostasse das formas e métodos então praticados pelos militares na condução política do país.
Haviam dois inimigos mortais para o sistema: Os comunistas, ou qualquer simpatizante, e o intenso contrabando de mercadorias que iam e vinham do Paraguai. Daqui pra lá transportavam o café brasileiro e na volta traziam bons wiskis e cigarro brasileiro que para lá era exportado e trazidos de volta sem nenhum imposto, o que representava altos lucros para quem os repatriava.
O velho ônibus pintado em prata e vermelho atravessou o posto militar instalado na entrada e à margem da estrada poeirenta que chegava à cidade vindo de Ponta Porã e iniciou uma longa descida pela rua principal, batendo a lataria que aos poucos ia se soltando pelos longos anos de uso nas estrada marcada pelos pequenos sulcos transversais formados pela água das fortes chuvas de verão que banhavam o local quase que diariamente atravessou a ponte de madeira num pequeno riacho e em poucos minutos estava diante da única praça da cidade. Lentamente circundou a praça e soltando chiados do ar comprimido que acionavam os freios, parecendo animal cansado que bufando se deitava no pasto, cheirando diesel queimado e fumegando pelos escapes finalmente parou, deu um último chiado e abriu a única porta dianteira para soltar a carga que para ali trazia. O lugar que todos chamavam de rodoviária da cidade era uma.....
No início dos anos 70 a única praça da pequena cidade de Amambai era o local mais bonito e bem cuidado do lugar. Motivo de orgulho de todos os moradores, a praça central era o único espaço com calçada acimentada, único lugar público que se pisava sem sujar os pés com areia ou lama nos dias de chuva; bem arborizada, linhas bem traçadas, grama e árvores cuidadas de forma impecável, a praça era o lugar mais bonito do pequeno povoado.
Situada na Rua Pedro Manvailler, única via de entrada e saída, a praça era ponto de referência para todos os pontos da cidade, que era formada por ruas em linhas retas e perpendicularmente impecáveis.
Na rua principal, em esquinas opostas à praça estava o Banco do Brasil, agência nova e recém inaugurada em agosto de sessenta e nove. Do outro lado da rua e de frente para a praça, o primeiro dos dois únicos postos de gasolina da cidade, o posto do Benjamim, de bandeira da Ipiranga, era ponto de encontro dos motoristas de táxi e caminhões da cidade. No meio da praça e de frente para a Rua Pedro Manvailler era colocado o palco das autoridades para os desfiles de sete de setembro e, de frente para o palco, o bar do Bauer era um dos mais antigos da cidade. Na esquina oposta aquela do banco, ainda na rua principal, a alfaitaria do Silvio Berri que mais tarde, por graça dos militares seria premiado com a chefia do executivo municipal.
Na rua paralela à principal e dou outro lado da praça estava a prefeitura da cidade e a casa do Dr. Valmir, primeiro prefeito da cidade e professor de matemática no Ginásio Estadual local.
A cidade sobrevivia da agricultura e no início da década de 70 chegaram os primeiros gaúchos, catarinenses e paranaenses para plantar a soja, pequena leguminosa que era mais conhecida como “feijão japonês”. Os campos agricultáveis da região eram até então formados por extensos cerrados, terras planas que eram utilizadas somente para agricultura de consumo. Extensas áreas que desapareciam no horizonte que continham plantações gigantescas de guavira, pequeno fruto campestre que no verão fazia a alegria da população das cidades da região. Catar guavira nos campos, nas tardes de domingo, era um dos programas dos nativos locais que, arriscando encontros desagradáveis com cascavéis, urutus e corais, iam em família, portando baldes, sacolas ou qualquer vasilhame em que pudesse ser trazido os pequenos frutos que eram, após a colheita, depositados em tanques com água fresca, o que tornava-os bem mais saboreáveis após colhidos quentes pelo forte calor que assolava a região.