sábado, 6 de junho de 2009

Chuvas de Verão


Quase que todas as tardes os nossos passeios pelo longo do rio Panduí era uma diversão sem igual. Andando na direção das águas, sem se importar com o tempo e com os perigos em mais uma de nossas expedições, seguiamos rio abaixo pouco mais de dois quilômetros da barragem onde funcionava a velha usina hidrelétrica já desativada.

Era tarde de verão. O céu escureceu rapidamente, parecia anunciação do fim do mundo.
O calor de mais de quarenta graus parecia confirmar que daquele dia o mundo não passava.
A cor escura do céu misturava-se com o escuro da mata verde formando uma enorme penumbra que nos dava medo.
O cheiro forte da terra que se levantava, empurrada pelos fortes ventos ardia nas nossas narinas, apesar disso nossos olhos insistiam teimosamente em permanecer abertos para assistir aquilo que nos parecia o espetáculo do apocalipse.

O quero-quero gritava no desespero do ninho arrancado do solo, os pés de guaviras balançavam roçando a moita de capim barba de bode, uns aos outros, se tocando até o horizonte do fim dos campos que se estendiam por muitos acres.


No céu os estrondos dos trovões mostravam a ira de thor que com o seu martelo, furiosamente batendo na forja, explodia em raios que riscavam o céu soltando línguas de fogo que iluminavam o negro do dia que virou noite.

Assustados ficamos calados, petrificados, somente nossos olhos viravam de um lado para outro.
Os mais novos iniciaram choro, os mais velhos mudos e não menos amedontrados começavam também a perceber que algo muito estranho estava acontecendo.

Em poucos minutos desabou o mundo em nossas cabeças, a chuva era torrencial.

Em uma das muitas curvas do panduí, aquela era a nossa preferida, onde o rio formava uma grande piscina natural, de água pouco profunda e límpida, algumas pedras que junto com os galhos das árvores nos serviam de trampolim, faziam daquele ponto, logo abaixo da represa, o nosso lugar favorito para os banhos nos quentes dias de verão. Logo após o almoço saíamos em bando de oito, dez ou mais guris, correndo pelos campos em poucos minutos se chegava ao ponto preferido.

As tormentas no meio tarde eram comuns naquela época do ano e não foram raras as vezes, mesmo abaixo de chuva ninguém saia da água morna pelo calor do verão, agora com a chuva a água esfriava tornando o banho muito mais gostoso.

No negro da escuridão, por entre as árvores, o barulho do vento começou a dar lugar a algo parecido com um sopro leve, misturou se ao ar um cheiro adocicado, doce de coco, não! talvez de leite, misturado com rapadura e mel de cana, era gostoso aquele aroma que agora tomava o lugar do cheiro da terra.

De repente, diante de nossos olhos, as águas do panduí começaram a borbulhar, uma fina névoa levantou-se sobre as poucas pedras, os peixes num fantástico espetáculo saltitavam aos milhares, lambaris, pequenos bagres e cascudos levantavam e levitavam no ar, queriam subir em busca do cheiro doce que tomou conta do lugar. As flores do mato abriam e fechavam suas pétalas, as árvores como que enlouqecidas por algo mágico e sobrenatural balançavam seus galhos para o alto, pareciam, igual aos peixes, reverenciar algo que vinha do céu.

Os pardais e tico-ticos se aproximaram em bando, quase tocavam as águas que parecia ferver em bolhas.

O quero-quero que antes gritava no desespero aquietou-se e a enorme sucuri preguiçosamente enrolou-se sobre a grande pedra pondo-se a observar o que estava por vir.

Parados dentro da água começamos a ouvir uma música que no início parecia vir de londe, devagar foi aumentando aquele som de centenas de harpas que tocavam um concerto de um hino de glória. Parecia a voz de um anjo vindo do céu.

Não se sabia de onde vinha, junto com o cheiro doce, para qualquer ponto que se olhava se ouvia e se cheirava aquilo tudo.

Em perfeita harmonia com as harpas os violinos acompanhavam a melodia que descia do céu, ouvia-se por tudo, era acalentador e ao mesmo tempo assustador. o que seria aquilo, começamos a nos perguntar, e a vontade de chorar já não mais existia, o medo passou.

Os peixes voltaram às águas, os pássaros se calaram, as árvores acalmaram seus galhos e um raio de luz iniciou sua entrada por entre a copa das árvores, levemente ao som das harpas e violinos a luz foi se fortalecendo, se alongando em direção ao rio, ás águas que já não borbulhavam tornaram-se prateadas, brilhavam resplandecendo a luz que vinha do céu.

O feixe de luz branca tocou a água, seu brilho quase ofuscava nossos olhos, a música, o gostoso cheiro de doce, atordoados nos juntamos bem próximos, quase abraçados,todos os pelos de nossos pequenos corpos se arrepiavam, os olhos não piscavam quando uma imagem começou a se formar, era mulher, em forma de anjo, não se podia ver claramente na imagem embaçada que se formou, uma mulher com roupas brancas e longas desceu suavemente por dentro do feixe de luz tocando levemente a fina superfície da água.

Seus pés não apareciam, estavam totalmente cobertos pelo longo manto branco que a cobria, seus braços caídos ao longo do corpo mostravam suas mãos abertas, com as palmas voltadas para nós. Seus cabelos eram negros e longos, seu rosto era bonito, coberto por um pequeno manto que caía sobre seus ombros e irradiava uma áurea em forma de coroa.

Com um sorriso encantador, fazendo um leve movimento com a cabeça e com as mãos indicava para que saíssemos da água, que fôssemos todos para a margem do rio.

Lentamente iniciamos a saída, devagar fomos todos subindo o pequeno barranco de pouco mais de três metros, já no alto, fora da água, olhando para trás percebemos que a luz foi lentamente se apagando e quando já estavámos todos sentados no barranco, de repente, pudemos ver o turbilhão de água que desceu o rio, arrasando os matos das beiradas, levando tudo em violenta enxurrada, arrazadora desceu destruindo tudo o que havia pela frente.

Foram poucos minutos em que assistimos algo nunca visto.

Um pedaço da velha barragem, que estava logo acima do nosso local de banho, não suportou o peso das água que continha, havia se rompido soltando milhões de litros de água que lá estavam represados.

A chuva parou, a luz voltou e o sol tornou a esquentar a tarde de verão.

Nossos banhos passaram a ser em outro local, próximo à nascente do panduí, acima da represa e da ponte.

Prometemos nada dizer a ninguém sobre o que aconteceu até que a linda senhora voltasse a aparecer para um de nós.

O Cassineiro


Essa história aconteceu no 17º RC em Amambai - MS lá pelo início dos anos 70, em pleno regime militar.

No exército a hierarquia sempre foi a base da disciplina castrense, presente em todos os lugares e situações. Tudo é absolutamente dividido de forma a separar os militares de acordo com os cargos e postos que cada individuo ocupa na pirâmide de comando. Ao marchar, o mais graduado segue na frente e o soldado raso marca o passo nas fileiras posteriores. E dentro das categorias iguais, a altura do indivíduo determina quem vai na frente de quem.

A hierarquia se vislumbra de forma inequívoca também nos acampamentos militares. No tamanho das barracas se apercebe a importância do posto e o tipo de divisa. As barracas dos soldados são minúsculas tendas, pequenas e insuficientes para não permitir que alguém fique em pé no seu interior; medem aproximadamente dois metros quadrados e com menos de um na altura, permitindo que no seu interior o soldado permaneça tão somente, no máximo, ajoelhado. Ainda, pior, é a divisão obrigatória, de tão pequeno espaço, com um colegas de farda. A cama se resume em uma manta verde oliva que não oferece qualquer conforto.

A barraca destinada aos oficiais, pela importância do posto, é mais benevolente com os seus ocupantes, tem tamanho suficiente para abrigar pelo menos dez militares, todos em pé e confortavelmente instalados com camas de campanha, mesa, pequenos armários e outros itens de conforto inexistentes nos pequenos casulos do soldado raso.

No quartel do 17º RC em Amambai, no momento das refeições, ali na caserna ou em acampamento, a separação hierárquica não poderia ser diferente. Para os soldados o local de alimentação é o local denominado "rancho", espécie de grande restaurante, tipo self service, onde todos , em filas rigorosa e disciplinarmente organizadas servem-se em grandes bandeijões feito de alumínio, cada tipo de comida é militarmente disposta em pequenas divisões pré-determinada. Todos os alimentos eram tirados de enormes panelões, o arroz, o macarrão, feijão e a carne, como em qualquer restaurante do tipo de auto serviço pode ser servido à vontade e a carne, ao contrário, era controlada por alguém do rancho para se evitar os excessos. servia-se como sobremesa suco, pedaço de pão e uma fruta da época.

Os alimentos eram preparados pelos próprios soldados que foram selecionados no processo de incorporação ao serviço militar. A chefia do rancho ficava a cargo de um sargento que tinha como auxiliar um cabo e alguns soldados que faziam os serviços de cozinheiros, auxiliares de cozinha e todas as atividades inerentes ao cargo.

Os cassinos eram os locais de alimentação dos sargentos e dos oficiais, de menor tamanho eram mais privilegiados nas instalações e nos serviços e o preparo dos alimentos era separado dos soldados e de melhor qualidade e quantidade.

Enquanto os recrutas se serviam os sargentos e oficiais, nos seus cassinos, eram servidos por soldados que vestindo jaleco branco eram transformados em garçons e chamados de cassineiros.

Era tolerado que o sargento ou o oficial, vez ou outra, levasse um familiar para almoçar no seu cassino em sua companhia, e não era raro, no almoço, sempre haver um filho ou esposa de alguém que fazia companhia ao pai ou marido, sargento ou oficial.

Pedro Abelardo Nunes, o Nunes, havia incorporado no início dos anos setenta e há seis meses fora designado para ser o garçon no cassino dos oficiais, depois de insistir várias vezes, com alguns superiores, a sua indicação para aquela função pois sabia que naquele lugar o trabalho era leve e comia-se bem, saboreava-se as mesmas comidas servidas aos oficiais.

A mulher de um certo oficial, que não era muito apegada às tarefas culinárias, quase todos os dias almoçava no cassino dos oficiais em companhia do marido. No começo era educada com os soldados cassineiros, mas com o passar do tempo foi se tornando exigente no seu atendimento. Reclamava constantemente dos temperos, da limpeza de pratos, talheres e, até mesmo, certo dia, da disposição das cadeiras e mesas no local. Por várias vezes durante a refeição exigia a presença do sargento chefe para proceder reclamações fúteis, ora do atendimento dos cassineiros, ora de algum condimento, não havia dia sem reclamação.

Nunes era o cassineiro preferido da dona Dorinha como era chamada a esposa do oficial, por todos os serviçais.

- Nunes, isto está sem sem sal!!! bradava a madame - Pois não senhora, já vou providenciar mais sal, respondia Nunes de forma paciente.

- Nunes esta faca não está cortando!!! - Pois não senhora, já vou providenciar outra.

E assim era todo dia. Aquilo começou a aborrecer a todos que já não suportavam mais as reclamações da dona Dorinha.

Certo dia, no almoço, dona Dorinha, quase descontrolada, tendo um faniquito, gritou:

- Nuuuuuunes, a água que você me serviu está horrível, está quente, nem os cavalos tomam esta porcaria, leve isto daqui, traga-me água gelada, estou morrendo de sede.

- Pois não senhora, já vou providenciar outra, respondeu o coitado do casineiro. pegou a jarra levando-a para a cozinha.

- Que mulher nojenta, me dá vontade de esganar esta maluca. disse o soldado casineiro, entrando na cozinha e ouvindo as chacotas dos colegas.

- Nunes vem cá, Nunes me dá isto, Nunes me dá aquilo, diziam imitando a voz estridente da madame.

Nunes foi até uma grande geladeira, apanhou uma enorme vasilha com água gelada que colocou na jarra da madame. Estava se dirigindo ao salão do refeitório quando, diante de todos que ali estavam, inclusive o sargento chefe, parou e voltou.

- O que você está fazendo? perguntou um colega.

- Aquela vaca quer água gostosa, pois ela vai ter! dizendo isto abriu os botões da braguilha das calças, com a mão esquerda segurava a jarra e com a direita, num pequeno esforço, tirou seu enorme pênis para fora e colocou-o dentro da jarra com a água da madame, mexeu-o em movimentos circulares dando-lhe três ou quatro voltas no que fazia pequeno redemoinho.

Todos, atônitos, sem acreditar no que os olhos viam, observavam estáticos.

- Quer água boa sua cadela! dizia enquanto balançava seu enorme instrumento dentro da água da madame.

Guardou o enorme apêndice, fechou os botões e levou á água para o refeitório. chegou até a mesa.

- Sua água senhora. disse servindo a madame com uma farta quantidade, quase enchendo o copo.

A madame sorveu de um grande gole, logo outro, fez um sussurro de prazer e disse:

- Hummm, Que delícia meu filho!!!! Agora sim, água maravilhosa, deliciosa, docinha. Logo Pediu que colocasse mais.

Nos outros dias a madame sempre exigia do paciente e eficiente casineiro que lhe servisse daquela água deliciosa.

Nunes durante mais seis meses continuou servindo no cassino, completou a sua obrigação do serviço militar e voltou para Dourados de onde viera.

A madame foi embora, em companhia do marido transferido. Nunca se esqueceu de como era gostosa as águas de amambai.

[Trecho do livro As Praias do Panduí] - Zeca Berbes